terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Silêncio


“Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz...”
Gilberto Gil

Que ruídos está ouvindo agora?
Carros lá fora, buzinas, vozes, telefone tocando, máquinas ligadas, música, TV?
Será que viver com tantos ruídos, nos faz bem? E os nossos ouvidos, nunca têm descanso? Eles não foram projetados para o barulho em excesso. Tanto é verdade que, ao conviver com muito barulho, podemos perder parte ou toda a audição.
Em vários momentos da minha vida, fui levada a refletir sobre esse assunto: o silencio e consequentemente sobre o barulho também.
Quando minha primeira filha nasceu, a minha empregada era muito silenciosa. Não se ouvia qualquer ruído enquanto ela fazia seus trabalhos domésticos. Nada de panelas batendo, louças quebrando, barulho de talheres se esfregando ao lavar, ou objetos caindo. Ela executava todas as suas tarefas com muita competência e completamente silenciosa. No início, eu pensava que a razão do silêncio era unicamente para não acordar o bebe, mas depois fui descobrindo que a ela era realmente uma pessoa do silêncio.
Tempos depois, numa visita à livraria, comprei um livro para minhas filhas chamado "Barulhinho do Silêncio", que conta a história de um menino que não conseguia dormir porque o silêncio da noite fazia barulhos e ele estava com medo. A mãe vai esclarecendo, um a um, os diversos ruídos da noite. O menino se tranqüiliza e dorme sossegado. No dia seguinte, o menino acorda entusiasmado para descobrir os outros sons e fica observando os sons matinais: o canto dos pássaros, ruídos de alguém preparando o café na cozinha, ouviu até o tum-tum do coração de sua mãe.
No Livro “O Poder do silêncio”, o autor diz que a verdadeira inteligência atua silenciosamente. É no silêncio que encontramos as respostas, a verdadeira sabedoria e a capacidade de manter a tranqüilidade, o silêncio interior.
Todos esses episódios me fizeram prestar mais atenção nos ruídos do dia-a-dia e principalmente no silêncio, e fui passando isso para as minhas filhas. Falar mais baixo, não usar sapatos barulhentos para não incomodar o vizinho do andar inferior. Descobri que não preciso de barulho, que o silencio só faz bem e pode me trazer muitos benefícios. Com ele consigo eliminar as ansiedades, o stress e as preocupações.
Hoje, é no silêncio que eu me encontro, ponho os pensamentos em ordem, relaxo, reflito, descanso. É no meu silencio que encontro o equilíbrio, a minha concentração, a minha paz.
"Só se deve falar quando o que se tem a dizer
é mais precioso que o silêncio”.
Ficar calado é uma tarefa difícil para muitos, eu diria que é uma arte, a difícil arte de saber ficar calado e, se pararmos pra pensar, quase tudo de importante que fazemos, é feito em silêncio.
Quando queremos falar alguma coisa séria, íntima ou um segredo, baixamos o tom de voz.
Para aprender, calamos e ouvimos.
Nas grandes perdas afetivas, nada como o silêncio para assimilar os acontecimentos, refletir, meditar e aceitar os fatos.
Em muitos momentos, o melhor é mesmo ficar em silêncio.
Numa situação de conflito é necessário calar e ouvir os sons da alma. Com o silêncio aceitamos os fatos, encontramos respostas.
Quando não encontramos as palavras, emudecemos, calamos. Nesta hora, um abraço, um aperto de mão, um toque, substituem muitas palavras.
Quando o silencio é eloqüente, as palavras perdem o sentido, ficam inúteis.
Às vezes o silêncio nos revela verdades terríveis, mas com o silêncio conseguimos reparar nas coisas mais simples, valorizar o que é belo, ouvir o que faz sentido. Ouvir pensamentos e sentimentos.
Em silêncio, descobrimos o que temos dentro da alma.
O silêncio cura...
Se o silêncio não fosse tão importante, creio que não estaríamos numa constante busca pela tranqüilidade.
O silêncio é uma arma poderosa para encontrar a calma e paz. Melhorar a convivência, saber administrar os pensamentos e evitar falatórios desnecessários. Reclamações vazias desgastam qualquer relacionamento, seja afetivo ou profissional.
Ser uma pessoa silenciosa, não significa deixar de expressar idéias, pensamentos ou sentimentos. É bom explorar o silencio interno.
Todos querem falar com Deus, mas ninguém
presta atenção ao que ele diz porque ele fala no silêncio”
Há pessoas que produzem mais com barulho, para outras é necessário ouvir o barulho do silêncio , porque o silêncio absoluto não existe.
Convivemos com tanto barulho que o silencio pode incomodar algumas pessoas.
Estamos acostumados com o barulho e dependendo do estado psicológico, somos capazes de nos adaptar à poluição sonora. Estamos prontos para enfrentar todos os barulhos e somos capazes de transformar também. Tudo é uma questão de treino, de hábito. Existe até a “Lei do Silêncio”, mas o que manda é o bom senso.
Com o barulho, a glândula supra renal libera o hormônio da ansiedade e do stress – o cortisol. Ele dilata as pupilas, altera batimentos cardíacos, o barulho passa a ser uma ameaça.
“O verdadeiro poder chega sem ruído,
sem alarde e sem violência”.
O encontro com o silêncio interno é fundamental para encontrar o equilíbrio, Muitos já descobriram isso. Agora, deixo um convite a todos: Buscar um pouco de silêncio e tentar esvaziar a mente, dar uma pausa na correria do dia-a-dia e fazer uma busca interior para descobrir os seus ruídos internos. Ouvir os pensamentos e sentimentos, explorar o seu silêncio interior. Não é necessário raspar a cabeça, se mudar para um mosteiro, ou se sentar em posição de lótus. É só buscar um pouquinho de silêncio, deixar a mente quieta e o coração tranqüilo. Tente!
"O silêncio é um amigo que nunca trai,
já o barulho pode fazer misérias por você!” Confúcio

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Variedades


O Melhor do Discurso do Presidente Obama.


On this day, we gather because we have chosen hope over fear, unity of purpose over conflict and discord.
Neste dia, nos reunimos porque escolhemos a esperança no lugar do medo, a unidade de propósito em vez do conflito e da discórdia.
We remain a young nation, but in the words of Scripture, the time has come to set aside childish things. The time has come to reaffirm our enduring spirit; to choose our better history; to carry forward that precious gift, that noble idea, passed on from generation to generation: the God-given promise that all are equal, all are free, and all deserve a chance to pursue their full measure of happiness.
Ainda somos uma nação jovem, mas, nas palavras da Escritura, chegou a época de deixar de lado essas coisas infantis. Chegou a hora de reafirmar nosso espírito de resistência para escolher nossa melhor história; para levar adiante o dom preciso, a nobre idéia passada de geração em geração: a promessa divina de que todos são iguais, todos livres e todos merecem buscar o máximo de felicidade.
In reaffirming the greatness of our nation, we understand that greatness is never a given. It must be earned. Our journey has never been one of short-cuts or settling for less. It has not been the path for the faint-hearted - for those who prefer leisure over work, or seek only the pleasures of riches and fame. Rather, it has been the risk-takers, the doers, the makers of things - some celebrated but more often men and women obscure in their labour, who have carried us up the long, rugged path towards prosperity and freedom.
Ao reafirmar a grandeza de nossa nação, compreendemos que a grandeza nunca é dada. Ela deve ser conquistada. Nossa jornada nunca foi feita por meio de atalhos ou nos contentando com menos. Não foi um caminho para os de coração fraco – para aqueles que preferem o lazer ao trabalho, ou que buscam apenas os prazeres da riqueza e da fama. Em vez disso, foram aqueles que se arriscam, que fazem, que criam coisas – alguns celebrados mas com muito mais freqüência homens e mulheres obscuros em seu trabalho, que nos levaram ao longo do tortuoso caminho em direção à prosperidade e à liberdade.
What the cynics fail to understand is that the ground has shifted beneath them - that the stale political arguments that have consumed us for so long no longer apply. The question we ask today is not whether our government is too big or too small, but whether it works - whether it helps families find jobs at a decent wage, care they can afford, a retirement that is dignified. Where the answer is yes, we intend to move forward. Where the answer is no, programs will end. And those of us who manage the public's dollars will be held to account - to spend wisely, reform bad habits, and do our business in the light of day - because only then can we restore the vital trust between a people and their government.
O que os cínicos não compreendem é que o contexto mudou totalmente – que os argumentos políticos arcaicos que nos consumiram por tanto tempo já não se aplicam. A questão que lançamos hoje não é se nosso governo é grande ou pequeno demais, mas se ele funciona – se ele ajuda famílias a encontrar trabalho por um salário justo, seguro-saúde que possam pagar, uma aposentadoria digna. Se a resposta for sim, iremos adiante. Se for não, programas acabarão. E aqueles dentre nós que gerenciam o dólar público serão cobrados – para que gastem de forma inteligente, consertem maus hábitos e façam seus negócios à luz do dia – porque só então conseguirmos restabelecer a confiança vital entre as pessoas e seu governo.
To the Muslim world, we seek a new way forward, based on mutual interest and mutual respect. To those leaders around the globe who seek to sow conflict, or blame their society's ills on the West - know that your people will judge you on what you can build, not what you destroy. To those who cling to power through corruption and deceit and the silencing of dissent, know that you are on the wrong side of history; but that we will extend a hand if you are willing to unclench your fist.
Para o mundo muçulmano, nós buscamos uma nova forma de evoluir, baseada em interesses e respeito mútuos. Àqueles líderes ao redor do mundo que buscam semear o conflito ou culpar o Ocidente pelos males da sociedade – saibam que seus povos irão julgá-los pelo que podem construir, não pelo que podem destruir. Àqueles que se agarram ao poder pela corrupção, pela falsidade, silenciando os que discordam deles, saibam que vocês estão no lado errado da história; mas nós estenderemos uma mão se estiverem dispostos a abrir seus punhos.
To the people of poor nations, we pledge to work alongside you to make your farms flourish and let clean waters flow; to nourish starved bodies and feed hungry minds. And to those nations like ours that enjoy relative plenty, we say we can no longer afford indifference to suffering outside our borders; nor can we consume the world's resources without regard to effect. For the world has changed, and we must change with it.
Às pessoas das nações pobres, nós juramos trabalhar a seu lado para fazer com que suas fazendas floresçam e para deixar que fluam águas limpas; para nutrir corpos esfomeados e alimentar mentes famintas. E, para aqueles cujas nações, como a nossa, desfrutam de relativa abundância, dizemos que não podemos mais tolerar a indiferença ao sofrimento fora de nossas fronteiras; nem podemos consumir os recursos do mundo sem nos importar com o efeito disso. Porque o mundo mudou, e nós temos de mudar com ele.
For as much as government can do and must do, it is ultimately the faith and determination of the American people upon which this nation relies. It is the kindness to take in a stranger when the levees break, the selflessness of workers who would rather cut their hours than see a friend lose their job which sees us through our darkest hours. It is the fire-fighter's courage to storm a stairway filled with smoke, but also a parent's willingness to nurture a child, that finally decides our fate.
Por mais que um governo possa e deva fazer, é em última análise na fé e na determinação do povo americano que esta nação confia. É a bondade de acolher um estranho quando as represas arrebentam, o desprendimento de trabalhadores que preferem diminuir suas horas de trabalho a ver um amigo perder o emprego que nos assistem em nossas horas mais sombrias. É a coragem de um bombeiro para invadir uma escadaria cheia de fumaça, mas também a disposição de um pai para criar uma criança que finalmente decidem nosso destino.
Our challenges may be new. The instruments with which we meet them may be new. But those values upon which our success depends - hard work and honesty, courage and fair play, tolerance and curiosity, loyalty and patriotism - these things are old. These things are true. They have been the quiet force of progress throughout our history. What is demanded then is a return to these truths. What is required of us now is a new era of responsibility - a recognition, on the part of every American, that we have duties to ourselves, our nation, and the world, duties that we do not grudgingly accept but rather seize gladly, firm in the knowledge that there is nothing so satisfying to the spirit, so defining of our character, than giving our all to a difficult task.
Nossos desafios podem ser novos. Os instrumentos com os quais as enfrentamos podem ser novos. Mas os valores dos quais nosso sucesso depende – trabalho árduo e honestidade, coragem e fair play, tolerância e curiosidade, lealdade e patriotismo –, essas cosias são antigas. Essas coisas são verdadeiras. Elas foram a força silenciosa do progresso ao longo de nossa história. O que é exigido então é um retorno a essas verdades. O que é pedido a nós agora é uma nova era de responsabilidade – um reconhecimento por parte de todo americano, de que temos deveres para com nós mesmos, nossa nação e o mundo, deveres que não aceitamos rancorosamente, mas que, pelo contrário, abraçamos com alegria, firmes na certeza de que não há nada tão satisfatório para o espírito e que defina tanto nosso caráter do que dar tudo de nós mesmos numa tarefa difícil.
This is the price and the promise of citizenship.
Esse é o preço e a promessa da cidadania.
This is the source of our confidence - the knowledge that God calls on us to shape an uncertain destiny. Essa é a fonte de nossa confiança – o conhecimento de que Deus nos convoca para dar forma a um destino incerto.
This is the meaning of our liberty and our creed - why men and women and children of every race and every faith can join in celebration across this magnificent mall, and why a man whose father less than sixty years ago might not have been served at a local restaurant can now stand before you to take a most sacred oath.
Esse é o significado de nossa liberdade e nosso credo – o motivo pelo qual homens e mulheres e crianças de todas as raças e todas as fés podem se unir em celebração por todo este magnífico local, e também o porquê de um homem cujo pai a menos de 60 anos talvez não fosse servido num restaurante local agora poder estar diante de vocês para fazer o mais sagrado juramento.
America. In the face of our common dangers, in this winter of our hardship, let us remember these timeless words. With hope and virtue, let us brave once more the icy currents, and endure what storms may come. Let it be said by our children's children that when we were tested we refused to let this journey end, that we did not turn back nor did we falter; and with eyes fixed on the horizon and God's grace upon us, we carried forth that great gift of freedom and delivered it safely to future generations."
América. Diante de nossos perigos em comum, neste inverno de nossa dificuldades, deixe-me lembrá-los dessas palavras imortais. Com esperança e virtude, vamos enfrentar mais uma vez as correntes gélidas e suportar as tempestades que vierem. Que os filhos de nosso filhos digam que, quando fomos colocados à prova, nós nos recusamos a deixar esta jornada terminar, que nós não demos as costas e nem hesitamos; e com os olhos fixos no horizonte e com a graça de Deus sobre nós, levamos a diante o grande dom da liberdade e o entregamos com segurança às gerações futuras”
All this we can do. And all this we will do.
Nós podemos fazer tudo isso. E nós faremos tudo isso.
Curiosidade: Num discurso de 2.401 palavras, as mais usadas foram “nação” (15 vezes) e “novo/nova” (11 vezes).

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Provérbios

Provérbios Chineses

1. "A quem sabe esperar o tempo abre as portas."
2. "Antes de começar o trabalho de modificar o mundo, dê três voltas dentro de sua casa."
3. "Bondade em balde é devolvida em barril."
4. "Quem quer colher rosas deve suportar os espinhos."
5. "Temos UMA boca e DOIS ouvidos mas jamais nos comportamos proporcionalmente."
6. "Jamais se desespere em meio às mais sombrias aflições de sua vida, pois das nuvens mais negras cai água límpida e fecunda."
7. "Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida."
8. "Não há que ser forte. Há que ser flexível."
9. "Nada assenta melhor ao corpo que o crescimento do espírito."
10. "Quem a si próprio elogia, não merece crédito."
11. "Todas as flores do futuro estão nas sementes de hoje."
12. "A gente todos os dias arruma os cabelos: por que não o coração?"
13. "Aquele que pergunta, pode ser um tolo por cinco minutos. Aquele que deixa de perguntar, será um tolo para o resto da vida."
14. "Se parares cada vez que ouvires o latir de um cão, nunca chegarás ao fim do caminho."
15. "Não importa o tamanho da montanha, ela não pode tapar o sol."
16. "A língua resiste porque é mole; os dentes cedem porque são duros."
17. "Cuidado com aquele que tem a língua doce e uma espada na cintura.
18. Um inimigo declarado é perigoso, mas um falso amigo é pior."
19. "Se comermos menos, degustaremos mais."
20. "Espere o melhor, prepare-se para o pior e receba o que vier."
21. "Eu estava furioso por não ter sapatos; então encontrei um homem que não tinha pés e me dei por muito satisfeito."
2. "Antes de dar comida a um mendigo, dá-lhe uma vara e ensina-lhe a pescar."
23. "Dê um peixe a um homem faminto e você o alimentará por um dia. Ensine-o a pescar, e você o estará alimentando pelo resto da vida."
24. "Ser pedra é fácil, o difícil é ser vidraça."
25. "A mais alta das torres começa no solo."
26. "Se você quer manter limpa a sua cidade, comece varrendo diante de sua casa"
27. "Aquele que se importa com os sentimentos dos outros não é um tolo."
28. "Sem a oposição do vento, a pipa não consegue subir."
29. "Um homem feliz é como um barco que navega com vento favorável."
30. "O cão não ladra por valentia e sim por medo."
31. "A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira."
32. "Uma língua suave é a árvore da vida, mas a língua perversa quebranta o espírito."
33. "Melhor é um prato de hortaliça, onde há amor, do que o boi gordo, e com ele o ódio."
34. "Quanto melhor é adquirir a sabedoria do que o ouro! e quanto mais excelente é escolher o entendimento do que a prata"
35. "Melhor é o pobre que anda na sua integridade, do que o perverso de lábios e tolo"
36. "Não ames o sono para que não empobreças; Abre os teus olhos e te fartarás
de pão"
37. "O cavalo prepara-se para o dia da batalha; mas do senhor vem a vitória"
38. "Os sábios não dizem o que sabem, os tolos não sabem o que dizem"
39. "O homem comum fala, o sábio escuta, o tolo discute"
40. "Um coração alegre faz tanto bem quanto os remédios!"
41. "Para que nasçam virtudes é necessário semear recompensas."

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Ainda sobre a Reforma Ortográfica

  • Você sabia que a guerra em Gaza tem como pano-de-fundo a disputa por mananciais de água? (com hífen ou sem hífen?)

    Na reforma ortográfica parou a diatribe entre os ecoxiitas. Como tudo agora. Para estranhamento de uns, revolta de outros, indignação de alguns. Afinal, em que a mudança de acentos e hifens pode prejudicar quem leva sua vida distante do mercado editorial ou da função de revisor – esses, sim têm (ainda acentuado) interesse direto na questão.

    Para facilitar a memorização das regras e acostumar a vista à nova grafia de palavras, preste atenção nestas frases:
  • Apoio a estreia do asteroide da Coreia junto à plateia europeia. Uma jiboia heroica na assembleia. Há paranoia na ideia da boia em forma de joia.
  • Fiquem tranquilos que os erros serão frequentes, mas não hesitem em usar a metalinguística!
  • Os voos ao zoo atenderão aos que creem que leem os maoistas.
  • Que feiura da ideias apazigue o heroico apoio dessa assembleia frequente de paranoia linguística.
  • Tudo com linguiça, por favor!
  • Vejo feiura nas linguiças expostas na baiuca.
  • Vamos­ esquentar tudo no micro-ondas e depois jogar de paraquedas sem anti-inflamatório na cabeça do mandachuva dessa reforma, que deveria ter sido inter-regional, mas atingiu toda a circum-navegação.
  • No sub-reino tem mini-hotel com micro-ondas de ultrasson antissocial e autossustentável!
  • Uma ideia europeia no país do amoré-guaçu, do anajá-mirim e do capim-açu.
E tenho dito!

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Saudade tem Cheiro

Eu sempre associei saudade à cheiros, da minha casa, da pessoa amada, de bebe, de terra molhada, da noite de Natal.
Cheiro de lavanda, cheiro de flores na varanda, em noites quentes.
Muitas vezes, minhas lembranças não têm imagens, têm cheiros.
Os cheiros me remetem a muitas coisas boas, pode ser cheiro de roupa lavada, perfume, comida. Quantas recordações! Talvez seja porque o olfato é o sentido mais aguçado em mim.
Um cheiro que está em minha memória, desde criança, é o cheiro da cozinha da casa de minha avó e o cheiro de bolo recém saído do forno e que, ainda hoje, posso sentir e me traz uma sensação de aconchego, de conforto, de carinho.
Acho que era uma tática que minha avó usava, quando as coisas não estavam muito bem, ela assava um bolo. E quando o cheiro de bolo assando invadia a casa, a vizinhança, a rua, nenhum sentimento ruim persistia, acalentava os corações. Era uma sensação tão boa que acredito que o cheiro de bolo assado consegue desarmar qualquer pessoa de suas resistências ou amarguras.
Quando estou assando um bolo e alguém chega em minha casa, a reação do visitante é imediata e sem parcimônia : hummmmm.... Que cheirinho bom!!!

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Reforma Ortográfica

O que muda com a reforma da língua portuguesa

As novas regras da língua portuguesa começam a ser implementadas em 2009.
Mudanças incluem fim do trema e devem mudar entre 0,5% e 2% do vocabulário brasileiro. Veja abaixo quais são as mudanças.

HÍFEN
Não se usará mais:

1. quando o segundo elemento começa com s ou r, devendo estas consoantes ser duplicadas, como em "antirreligioso", "antissemita", "contrarregra", "infrassom". Exceção: será mantido o hífen quando os prefixos terminam com r -ou seja, "hiper-", "inter-" e "super-"- como em "hiper-requintado", "inter-resistente" e "super-revista". Letras iguais se rejeitam e ganham hífen.

2. quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa com uma vogal diferente. Exemplos: "extraescolar", "aeroespacial", "autoestrada".Letras diferentes se atraem e não ganham hífen.

TREMA
Deixará de existir, a não ser em nomes próprios e seus derivados

ACENTO DIFERENCIAL
Não se usará mais para diferenciar:
1. "pára" (flexão do verbo parar) de "para" (preposição)
2. "péla" (flexão do verbo pelar) de "pela" (combinação da preposição com o artigo)
3. "pólo" (substantivo) de "polo" (combinação antiga e popular de "por" e "lo")
4. "pélo" (flexão do verbo pelar), "pêlo" (substantivo) e "pelo" (combinação da preposição com o artigo)
5. "pêra" (substantivo - fruta), "péra" (substantivo arcaico - pedra) e "pera" (preposição arcaica)


ALFABETO
Passará a ter 26 letras, ao incorporar as letras "k", "w" e "y"

ACENTO CIRCUNFLEXO
Não se usará mais:
1. nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos "crer", "dar", "ler", "ver" e seus derivados.
A grafia correta será "creem", "deem", "leem" e "veem"2. em palavras terminados em hiato "oo", como "enjôo" ou "vôo" -que se tornam "enjoo" e "voo"

ACENTO AGUDO
Não se usará mais:
1. nos ditongos abertos "ei" e "oi" de palavras paroxítonas, como "assembléia", "idéia", "heróica" e "jibóia"

2. nas palavras paroxítonas, com "i" e "u" tônicos, quando precedidos de ditongo. Exemplos: "feiúra" e "baiúca" passam a ser grafadas "feiura" e "baiuca"

3. nas formas verbais que têm o acento tônico na raiz, com "u" tônico precedido de "g" ou "q" e seguido de "e" ou "i". Com isso, algumas poucas formas de verbos, como averigúe (averiguar), apazigúe (apaziguar) e argúem (arg(ü/u)ir), passam a ser grafadas averigue, apazigue, arguem

GRAFIA
No português lusitano:
1. desaparecerão o "c" e o "p" de palavras em que essas letras não são pronunciadas, como "acção", "acto", "adopção", "óptimo" -que se tornam "ação", "ato", "adoção" e "ótimo"

sábado, 3 de janeiro de 2009

Poesias (Autores Brasileiros)


Poesias (Autores Brasileiros) ...Continuação
Fere de leve a frase... E esquece... Nada
Convém que se repita...
Só em linguagem amorosa agradaA mesma coisa cem mil vezes dita.
Mario Quintana
PROJETO DE PREFÁCIO
Sábias agudezas... refinamentos...- não!
Nada disso encontrarás aqui.
Um poema não é para te distraírescomo com essas imagens mutantes de caleidoscópios.Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe
Um poema não é também quando paras no fim,porque um verdadeiro poema continua sempre...Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a mortenão tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.
Mario Quintana
DO AMOROSO ESQUECIMENTO
Eu agora - que desfecho!Já nem penso mais em ti...Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?
Mario Quintana - Espelho Mágico
AH! OS RELÓGIOS
Amigos, não consultem os relógiosquando um dia eu me for de vossas vidasem seus fúteis problemas tão perdidasque até parecem mais uns necrológios...
Porque o tempo é uma invenção da morte:não o conhece a vida - a verdadeira -em que basta um momento de poesiapara nos dar a eternidade inteira.
Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:não cabe, a cada qual, uma porção.
E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -acaso lhes indaga que horas são...
Mario Quintana - A Cor do Invisível
DAS UTOPIAS
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas!
Mario Quintana - Espelho Mágico
POEMINHO DO CONTRA
Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!
Mario Quintana
O SILÊNCIO
Convivência entre o poeta e o leitor, só no silêncio da leitura a sós. A sós, os dois. Isto é, livro e leitor. Este não quer saber de terceiros, não quer que interpretem, que cantem, que dancem um poema. O verdadeiro amador de poemas ama em silêncio...
Mario Quintana - A vaca e o hipogrifo
EU ESCREVI UM POEMA TRISTE
Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escrevesFaço barcos de papel!
Mario Quintana - A Cor do Invisível
SINÔNIMO
SEsses que pensam que existem sinônimos, desconfio que não sabem distinguir as diferentes nuanças de uma cor.
Mario Quintana (Caderno H)
CANÇÃO DO AMOR IMPREVISTO
Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,Com o teu passo leve,Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreendernada, numa alegria atônita...
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.
Mario Quintana
POEMA
Mas por que datar um poema? Os poetas que põem datas nos seus poemas me lembram essas galinhas que carimbam os ovos...
Mario Quintana (Caderno H)
RECORDO AINDA
Recordo ainda... e nada mais me importa...Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...
Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!E eu pendurei na galharia tortaTodos os meus brinquedos de criança...
Estrada afora após segui...
Mas, aí,Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...
Mario Quintana
O TRÁGICO DILEMA
Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro.
Mario Quintana
(Caderno H)BILHETE
Se tu me amas,ama-me baixinho.
Não o grites de cima dos telhados,deixa em paz os passarinhos.
Deixa em paz a mim!
Se me queres,enfim,.....tem de ser bem devagarinho,.....amada,.....que a vida é breve,.....e o amor.....mais breve ainda.
Mario Quintana
OS POEMAS
Os poemas são pássaros que chegamnão se sabe de onde e pousamno livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôocomo de um alçapão.
Eles não têm pouso nem porto; alimentam-se um instante em cadapar de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,no maravilhado espanto de saberes que o alimento deles já estava em ti...
Mario Quintana - Esconderijos do Tempo
SEISCENTOS E SESSENTA E SEIS
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ªfeira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem - um dia - uma outra oportunidade,eu nem olhava o relógio.
Seguia sempre, sempre em frente ...
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
Mario Quintana ( In: Esconderijo do tempo)
O amor é quando a gente mora um no outro.
SIMULTANEIDADE
Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver! - Você é louco? - Não, sou poeta.
Mario Quintana - A vaca e o hipogrifo
ESPELHO
Por acaso, surpreendo-me no espelho:
Quem é esse que me olha e é tão mais velho que eu? (...) Parece meu velho pai - que já morreu! (...)
Nosso olhar duro interroga:"O que fizeste de mim?" Eu pai? Tu é que me invadiste.
Lentamente, ruga a ruga... Que importa!
Eu sou ainda aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra,Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra!
Vi sorrir nesses cansados olhos um orgulho triste...
Mario Quintana
Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente ... e não a gente a ele!
Mario Quintana - A vaca e o hipogrifo
A RUA DOS CATAVENTOS
Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,Como único bem que me ficou.Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!
Mario Quintana
CLAREIRAS
Se um autor faz você voltar atrás na leitura, seja de um período ou de uma simples frase, não o julgue profundo demais, não fique complexado: o inferior é ele.
A atual crise de expressão, que tanto vem alarmando a velha-guarda que morre mas não se entrega, não deve ser propriamente de expressão, mas de pensamento. Como é que pode escrever certo quem não sabe ao certo o que procura dizer?Em meio à intrincada selva selvaggia de nossa literatura encontram-se às vezes, no entanto, repousantes clareiras. E clareira pertence à mesma família etimológica de clareza... Que o leitor me desculpe umas considerações tão óbvias. É que eu desejava agradecer, o quanto antes, o alerta repouso que me proporcionaram três livros que li na última semana: Rio 1900 de Brito Broca, Fronteira, de Moysés Vellinho e Alguns Estudos, de Carlos Dante de Moraes.Porque, ao ler alguém que consegue expressar-se com toda a limpidez, nem sentimos que estamos lendo um livro: é como se o estivéssemos pensando.E, como também estive a folhear o velho Pascall, na edição Globo, encontrei providencialmente em meu apoio estas palavras, à pág. 23 dos Pensamentos:"Quando deparamos com o estilo natural, ficamos pasmados e encantados, como se esperássemos ver um autor e encontrássemos um homem".
Mario Quintana - A vaca e o hipogrifo
PEQUENO ESCLARECIMENTO
Os poetas não são azuis nem nada, como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques súbitos de levitação. O de que eles mais gostam é estar em silêncio - um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e declamatórios. Um silêncio... Este impoluível silêncio em que escrevo e em que tu me lês.
Mario Quintana - A vaca e o hipogrifo
POEMA DA GARE DE ASTAPOVO
O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...Sentou-se ...e sorriu amargamente
Pensando que em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Gloria,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E entao a Morte,Ao vê-lo tao sozinho aquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali a sua espera,Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se ate não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!
Mario QuintanaI
Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!
Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,Vai colorindo as horas quotidianas...
Jogos da luz dançando na folhagem!Do que eu ia escrever até me esqueço...Pra que pensar? Também sou da paisagem...Vago, solúvel no ar, fico sonhando...E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!
Mario Quintana - A Rua dos Cataventos
DO ESTILO
O estilo é uma dificuldade de expressão.
Mario Quintana (Caderno H)
OBSESSÃO DO MAR OCEANO
Vou andando feliz pelas ruas sem nome...Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...
Mas há vasos cobertos de conchinhasSobre as mesas... e moças na janelas
Com brincos e pulseiras de coral...
Búzios calçando portas... caravelasSonhando imóveis sobre velhos pianos...
Nisto,
Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su'alma perdida e vaga na neblina...
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,Uma caixa de música
Uma bússolaUm mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza única
De estarem inconclusos...
Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...
Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome.
Mario Quintana - O Aprendiz de Feiticeiro
DA OBSERVAÇÃO
Não te irrites, por mais que te fizerem...Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,Teu mais amável e sutil recreio...
Mario Quintana - Espelho Mágico
DOS MUNDOS
Deus criou este mundo. O homem, todavia,Entrou a desconfiar, cogitabundo...
Decerto não gostou lá muito do que via...E foi logo inventando o outro mundo.Mario Quintana - Espelho Mágico
DA DISCRIÇÃO
Não te abras com teu amigoQue ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigoPossui amigos também...
Mario Quintana - Espelho Mágico
A VERDADEIRA ARTE DE VIAJAR
A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,
Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo.
Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali...
Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!
Mario Quintana - A verdadeira cor do invisível
O MAPA
Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...(É nem que fosse o meu corpo!)
Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...
Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)
Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar(Deste já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso...
Mario Quintana - Apontamentos de História Sobrenatural
OS DEGRAUS
Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,Ocultam o próprio enigma. Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...
Mario Quintana - Baú de Espantos
DESTINO ATROZ
Um poeta sofre três vezes: primeiro quando ele os sente, depois quando ele os escreve e, por último, quando declamam os seus versos.
Mario Quintana (Caderno H)
OEMINHA SENTIMENTAL
O meu amor, o meu amor, MariaÉ como um fio telegráfico da estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas...De vez em quando chega uma
E canta(Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
Canta e vai-se embora
Outra, nem isso,Mal chega, vai-se embora.
A última que passouLimitou-se a fazer cocôNo meu pobre fio de vida!
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:As andorinhas é que mudam.
Mario Quintana - Preparativos de Viagem
SEMPRE QUE CHOVE
Sempre que choveTudo faz tanto tempo...
E qualquer poema que acaso eu escreva
Vem sempre datado de 1779!
Mario Quintana - Preparativos de Viagem
INSCRIÇÃO PARA UM PORTÃO DE CEMITÉRIO
Na mesma pedra se encontram,
Conforme o povo traduz,
Quando se nasce - uma estrela,
Quando se morre - uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam
Hão de emendar-nos assim:"Ponham-me a cruz no princípio...
a luz da estrela no fim!"
Mario Quintana - A Cor do Invisível
O PIOR
O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso.
Mario Quintana - Caderno H
EXAME DE CONSCIÊNCIA
Se eu amo o meu semelhante? Sim. Mas onde encontrar o meu semelhante?Mario Quintana - Caderno H
A GRANDE SURPRESA
Mas que susto não irão levar essas velhas carolas se
Deus existe mesmo...
Mario Quintana - Caderno H
EVOLUÇÃO
O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro.
Mario Quintana - Caderno H
MÚSICA
O que mais me comove em música
São estas notas soltas- pobres notas únicas - Que do teclado arranca o afinador de pianos.
Mario Quintana
URBANÍSTICA
Como seriam belas as estátuas equestres se constassem apenas dos cavalos!
Mario Quintana
Canção do dia de sempre
Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...
E só ganhar, toda a vida, Inexperiência... esperança... E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu. Nunca dês um nome a um rio: Sempre é outro rio a passar. Nada jamais continua, Tudo vai recomeçar! E sem nenhuma lembrança Das outras vezes perdidas, Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
Mario Quintana
PRESENÇA
É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o ventodas horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescales
utilmente, no ar, a trevo machucado,as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janelae respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.
Mario Quintana
DA INQUIETA ESPERANÇA
Bem sabes Tu, Senhor, que o bem melhor é aquele
Que não passa, talvez, de um desejo ilusório.
Nunca me dê o Céu... quero é sonhar com ele
Na inquietação feliz do Purgatório.
Mario Quintana
DOS NOSSOS MALES
A nós bastem nossos próprios ais,
Que a ninguém sua cruz é pequenina.
Por pior que seja a situação da China,
Os nossos calos doem muito mais...
Mario Quintana
TROVA
Coração que bate-bate...
Antes deixes de bater!
Só num relógio é que as horasVão passando sem sofrer.Mario Quintana
DOS MILAGRES
O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!
Mario Quintana
AS ESCOLAS
Pertencer a uma escola poética é o mesmo que ser condenado à prisão perpétua.
Mario Quintana (Caderno H)
ESPERANÇA
Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E— ó delicioso vôo!Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?E ela lhes dirá(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...
Mario Quintana
CUIDADO
A poesia não se entrega a quem a define.
ario Quintana (Caderno H)
SE EU FOSSE UM PADRE
Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,não falaria em
Deus nem no Pecado- muito menos no Anjo Rebelado e os encantos das suas seduções,não citaria santos e profetas:nada das suas celestiais promessa sou das suas terríveis maldições...Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,Rezaria seus versos, os mais belos,desses que desde a infância me embalarame quem me dera que alguns fossem meus!
Porque a poesia purifica a alma... a um belo poema - ainda que de Deus se aparte -um belo poema sempre leva a Deus!
Mario Quintana
ARTAZ PARA UMA FEIRA DO LIVRO
Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem.
Mario Quintana (Caderno H)
VERSO AVULS
O...O luar é a luz do sol que está dormindo...
Mario Quintana(Mario Quintana - Poesia Completa Da Preguiça como Método de Trabalho Editora Nova Aguilarp. 672)
A SAUDADE
A saudade é o que faz as coisas pararem no Tempo.
Mario Quintana(Mario Quintana - Poesia Completa Preparativos de Viagemp. 773)
O BERÇO E O TERREMOTO
Os versos, em geral, são versos de embalar, como eu às vezes os tenho feito, não sei se por simples complacência... ou pura piedade.
Contudo, os verdadeiros versos não são para embalar - mas para abalar.Mesmo a mais simples canção, quando a canta um Camela Lorca, desperta-te a alma para um mundo de espanto.
Mario Quintana(Mario Quintana - Poesia Completa Caderno H Editora Nova Aguilarp. 334)
BIOGRAFIA
Era um grande nome — ora que dúvida! Uma verdadeira glória. Um dia adoeceu, morreu, virou rua... E continuaram a pisar em cima dele.Mario Quintana (Caderno H)
CANÇÃO DE BARCO E DE OLVIDO
Para Augusto MeyerNão quero a negra desnuda.
Não quero o baú do morto.
Eu quero o mapa das nuvens
E um barco bem vagaroso.
Ai esquinas esquecidas...Ai lampiões de fins de linha...
Quem me abana das antigas
Janelas de guilhotina?
Que eu vou passando e passando,Como em busca de outros ares...Sempre de barco passando,
Cantando os meus quintanares...
No mesmo instante olvidando
Tudo o de que te lembrares.Mario Quintana (Canções)
ARTE POÉTICA
Esquece todos os poemas que fizeste. Que cada poema seja o número um.Mario Quintana (Caderno H)XII
Para Érico Veríssimo
O dia abriu seu pára-sol bordado
De nuvens e de verde ramaria.
E estava até um fumo, que subia,
Mi-nu-ci-o-sa-men-te desenhado.
Depois surgiu, no céu azul arqueado,A Lua - a Lua! - em pleno meio-dia.
Na rua, um menininho que seguia
Parou, ficou a olhá-la admirado...
Pus meus sapatos na janela alta
,Sobre o rebordo... Céu é que lhes falta
Pra suportarem a existência rude!
E eles sonham, imóveis, deslumbrados,Que são dois velhos barcos, encalhadosSobre a margem tranqüila de um açude...
Mario Quintana (A Rua dos Cataventos)
A ARTE DE LER
O leitor que mais admiro é aquele que não chegou até a presente linha. Neste momento já interrompeu a leitura e está continuando a viagem por conta própria.Mario Quintana (Caderno H)
O AUTO-RETRATO
No retrato que me faço- traço a traço -às vezes me pinto nuvem,às vezes me pinto árvore...às vezes me pinto coisasde que nem há mais lembrança...ou coisas que não existemmas que um dia existirão...e, desta lida, em que busco- pouco a pouco -minha eterna semelhança,no final, que restará?
Um desenho de criança...Corrigido por um louco!
Mario Quintana (Apontamentos de História Sobrenatural)
A CARTA
Quando completei quinze anos, meu compenetrado padrinho me escreveu uma carta muito, muito séria: tinha até ponto-e-vírgula! Nunca fiquei tão impressionado na minha vida.Mario Quintana (Caderno H)
O MORTO
Eu estava dormindo e me acordaramE me encontrei, assim, num mundo estranho e louco...E quando eu começava a compreendê-loUm pouco,Já eram horas de dormir de novo!
Mario Quintana (Apontamentos de História Sobrenatural)
A COISA
A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra e o leitor entende uma terceira coisa... e, enquanto se passa tudo isso, a coisa propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita.
Mario Quintana (Caderno H)
A CANÇÃO DA VIDA
A vida é loucaa vida é uma sarabandaé um corrupio...
A vida múltipla dá-se as mãos como um bandode raparigas em flore está cantandoem torno a ti:Como eu sou belaamor!Entra em mim, como em uma telade Renoirenquanto é primavera,enquanto o mundonão poluiro azul do ar!Não vás ficarnão vás ficaraí...como um salso chorandona beira do rio...(Como a vida é bela! como a vida é louca!)
Mario Quintana (Esconderijos do Tempo)
AS INDAGAÇÕES
A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas.
Mario Quintana (Caderno H)
OS ARROIOS
Os arroios são rios guris...Vão pulando e cantando dentre as pedras.
Fazem borbulhas d'água no caminho: bonito!
Dão vau aos burricos,às belas morenas,curiosos das pernas das belas morenas.E às vezes vão tão devagarque conhecem o cheiro e a cor das floresque se debruçam sobre eles nos matos que atravessame onde parece quererem sestear.
Às vezes uma asa branca roça-os, súbita emoçãocomo a nossa se recebêssemos o miraculoso encontrãode um Anjo...Mas nem nós nem os rios sabemos nada disso.Os rios tresandam óleo e alcatrãoe refletem, em vez de estrelas,os letreiros das firmas que transportam utilidades.
Que pena me dão os arroios,os inocentes arroios...
Mario Quintana (Baú de Espantos)
ARS LONGA
Um poema só termina por acidente de publicação ou de morte do autor.
Mario Quintana (Caderno H)
EU QUERIA TRAZER-TE UNS VERSOS MUITO LINDOS
Eu queria trazer-te uns versos muito lindoscolhidos no mais íntimo de mim...Suas palavrasseriam as mais simples do mundo, porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...Sim! Uma luz que viria de dentro delas,como essa que acende inesperadas coresnas lanternas chinesas de papel!Trago-te palavras, apenas... e que estão escritasdo lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-tee este poema vai morrendo, ardente e puro, ao ventoda Poesia...comouma pobre lanterna que incendiou!
Mario Quintana (Quintana de Bolso)
A VOZ
Ser poeta não é dizer grandes coisas, mas ter uma voz reconhecível dentre todas as outras.Mario Quintana (Caderno H)
CARTA
Meu caro poeta,Por um lado foi bom que me tivesses pedido resposta urgente, senão eu jamais escreveria sobre o assunto desta, pois não possuo o dom discursivo e expositivo, vindo daí a dificuldade que sempre tive de escrever em prosa. A prosa não tem margens, nunca se sabe quando, como e onde parar. O poema, não; descreve uma parábola tracada pelo próprio impulso (ritmo); é que nem um grito. Todo poema é, para mim, uma interjeição ampliada; algo de instintivo, carregado de emoção. Com isso não quero dizer que o poema seja uma descarga emotiva, como o fariam os românticos. Deve, sim, trazer uma carga emocional, uma espécie de radioatividade, cuja duração só o tempo dirá. Por isso há versos de Camões que nos abalam tanto até hoje e há versos de hoje que os pósteros lerão com aquela cara com que lemos os de Filinto Elísio. Aliás, a posteridade é muito comprida: me dá sono. Escrever com o olho na posteridade é tão absurdo como escreveres para os súditos de Ramsés II, ou para o próprio Ramsés, se fores palaciano. Quanto a escrever para os contemporâneos, está muito bem, mas como é que vais saber quem são os teus contemporâneos? A única contemporaneidade que existe é a da contingência política e social, porque estamos mergulhados nela, mas isto compete melhor aos discursivos e expositivos , aos oradores e catedráticos. Que sobra então para a poesia? - perguntarás. E eu te respondo que sobras tu. Achas pouco? Não me refiro à tua pessoa, refiro-me ao teu eu, que transcende os teus limites pessoais, mergulhando no humano. O Profeta diz a todos: "eu vos trago a verdade", enquanto o poeta, mais humildemente, se limita a dizer a cada um: "eu te trago a minha verdade." E o poeta, quanto mais individual, mais universal, pois cada homem, qualquer que seja o condicionamento do meio e e da época, só vem a compreender e amar o que é essencialmente humano. Embora, eu que o diga, seja tão difícil ser assim autêntico. Às vezes assalta-me o terror de que todos os meus poemas sejam apócrifos!Meu poeta, se estas linhas estão te aborrecendo é porque és poeta mesmo. Modéstia à parte, as disgressões sobre poesia sempre me causaram tédio e perplexidade. A culpa é tua, que me pediste conselho e me colocas na insustentável situação em que me vejo quando essas meninas dos colégios vêm (por inocência ou maldade dos professores) fazer pesquisas com perguntas assim: "O que é poesia? Por que se tornou poeta? Como escrevem os seus poemas?" A poesia é dessas coisas que a gente faz mas não diz.A poesia é um fato consumado, não se discute; perguntas-me, no entanto, que orientação de trabalho seguir e que poetas deves ler. Eu tinha vontade de ser um grande poeta para te dizer como é que eles fazem. Só te posso dizer o que eu faço. Não sei como vem um poema. Às vezes uma palavra, uma frase ouvida, uma repentina imagem que me ocorre em qualquer parte, nas ocasiões mais insólitas. A esta imagem respondem outras. Por vezes uma rima até ajuda, com o inesperado da sua associação. (Em vez de associações de idéias, associações de imagem; creio ter sido esta a verdadeira conquista da poesia moderna.) Não lhes oponho trancas nem barreiras. Vai tudo para o papel. Guardo o papel, até que um dia o releio, já esquecido de tudo (a falta de memória é uma bênção nestes casos). Vem logo o trabalho de corte, pois noto logo o que estava demais ou o que era falso. Coisas que pareciam tão bonitinhas, mas que eram puro enfeite, coisas que eram puro desenvolvimento lógico (um poema não é um teorema) tudo isso eu deito abaixo, até ficar o essencial, isto é, o poema. Um poema tanto mais belo é quanto mais parecido for com o cavalo. Por não ter nada de mais nem nada de menos é que o cavalo é o mais belo ser da Criação.Como vês, para isso é preciso uma luta constante. A minha está durando a vida inteira. O desfecho é sempre incerto. Sinto-me capaz de fazer um poema tão bom ou tão ruinzinho como aos 17 anos. Há na Bíblia uma passagem que não sei que sentido lhe darão os teólogos; é quando Jacob entra em luta com um anjo e lhe diz: "Eu não te largarei até que me abençoes". Pois bem, haverá coisa melhor para indicar a luta do poeta com o poema? Não me perguntes, porém, a técninca dessa luta sagrada ou sacrílega. Cada poeta tem de descobrir, lutando, os seus próprios recursos. Só te digo que deves desconfiar dos truques da moda, que, quando muito, podem enganar o público e trazer-te uma efêmera popularidade.Em todo caso, bem sabes que existe a métrica. Eu tive a vantagem de nascer numa época em que só se podia poetar dentro dos moldes clássicos. Era preciso ajustar as palavras naqueles moldes, obedecer àquelas rimas. Uma bela ginástica, meu poeta, que muitos de hoje acham ingenuamente desnecessária. Mas, da mesma forma que a gente primeiro aprendia nos cadernos de caligrafia para depois, com o tempo, adquirir uma letra própria, espelho grafológico da sua individualidade, eu na verdade te digo que só tem capacidade e moral para criar um ritmo livre quem for capaz de escrever um soneto clássico. Verás com o tempo que cada poema, aliás, impõe sua forma; uns, as canções, já vêm dançando, com as rimas de mãos dadas, outros, os dionisíacos (ou histriônicos, como queiras) até parecem aqualoucos. E um conselho, afinal: não cortes demais (um poema não é um esquema); eu próprio que tanto te recomendei a contenção, às vezes me distendo, me largo num poema que vai lá seguindo com os detritos, como um rio de enchente, e que me faz bem, porque o espreguiçamento é também uma ginástica. Desculpa se tudo isso é uma coisa óbvia; mas para muitos, que tu conheces, ainda não é; mostra-lhes, pois, estas linhas.Agora, que poetas deves ler? Simplesmente os poetas de que gostares e eles assim te ajudarão a compreender-te, em vez de tu a eles. São os únicos que te convêm, pois cada um só gosta de quem se parece consigo. Já escrevi, e repito: o que chamam de influência poética é apenas confluência. Já li poetas de renome universal e, mais grave ainda, de renome nacional, e que no entanto me deixaram indiferente. De quem a culpa? De ninguém. É que não eram da minha família.Enfim, meu poeta, trabalhe, trabalhe em seus versos e em você mesmo e apareça-me daqui a vinte anos. Combinado?Mario Quintana
MARIO QUINTANA POR MARIO QUINTANA ( texto escrito pelo poeta para a revista Isto É de 14/11/1984 )Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Há ! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas... Aí vai ! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas : ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a eternidade.Nasci do rigor do inverno, temperatura : 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro – o mesmo tendo acontecido a Sir Isaac Newton ! Excusez du peu.Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que nunca acho que escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso ! sou é caladão, instrospectivo. Não sei por que sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros ?Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de fármacia durante 5 anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Erico Veríssimo – que bem sabem ( ou souberam) , o que é a luta amorosa com as palavras.Mario Quintana ( texto escrito pelo poeta para a revista Isto É de 14/11/1984 )


Aquarela

Não sei se a vida é curta ou longa demais para nós.
Mas sei que nada do que vivemos tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas
Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove

E isso não é coisa de outro mundo.
É o que dá sentido a vida.
É o que faz com que ela não seja curta, nem longa demais.
Mas que seja intensa, verdadeira e pura enquanto durar.

Cora Coralina

Receita de ano novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade

As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Carlos Drummond de Andrade